As causas são a deterioração das relações laborais, a falta de liberdade sindical, a restrição do direito de greve e a reforma trabalhista de 2017
Capa: Greve dos Vigilantes em Porto Alegre – 1979
No dia 20 de junho é comemorado o Dia do Advogado Trabalhista, profissional especializado em defender juridicamente assuntos relacionados às atividades dos trabalhadores.
Para conhecer melhor como esses profissionais atuam , entrevistamos a sócia majoritária da Machado Silva & Palmisciano, a advogada Gisa Nara Maciel Machado Silva, que acompanha há quase 50 anos a movimentação dessa área.
Nascida em Sant’Ana do Livramento (RS), Gisa Nara Maciel Machado Silva decidiu ser advogada a partir de um teste vocacional em 1968, ano do recrudescimento da ditadura com o AI-5. Cursou Direito na PUC de Porto Alegre (RS) de 1969 a 1973, e se define como uma advogada prática, na luta do processo e na assessoria a entidades sindicais no pleito por melhores condições de trabalho. A escolha pelo Direito Trabalhista foi feita no terceiro semestre da faculdade.
Para ela, o grande desafio da advocacia trabalhista é instrumentalizar, juridicamente, as entidades sindicais para obter melhores condições de trabalho nos conflitos surgidos das relações entre empregador e empregados, em nível coletivo e individual, além de ampliar e assegurar direitos aos trabalhadores na batalha do processo. Em mais de quatro décadas, Gisa vivenciou importantes momentos, como a ditadura militar, a abertura política do país, a formação de novos partidos, o crescimento dos sindicatos, as mudanças nas leis e a reforma trabalhista de 2017. Ela atuou primeiramente em Porto Alegre e depois foi para o Rio de Janeiro, onde chegou na década de 1980, sendo a primeira advogada da CUT e a primeira advogada com dedicação exclusiva do Sindicato dos Bancários.
Gisa acredita que vivemos a pior época do Direito Trabalhista na história recente do Brasil. Isso se deve à deterioração das relações laborais, à falta de liberdade sindical, à restrição do direito de greve, que limita a negociação coletiva e, fundamentalmente, à reforma trabalhista promovida em 2017. Tudo isso, segundo Gisa, ocorreu sem a devida reação dos sindicatos e dos trabalhadores.
Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista realizada virtualmente.
ENTREVISTA
Quando você decidiu ser advogada trabalhista?
GISA NARA MACIEL MACHADO SILVA – Desde o terceiro ano da faculdade senti tendência ao Direito do Trabalho, principalmente pela defesa dos trabalhadores, pela busca de ampliação de seus direitos e pela possibilidade de ajudar na luta dos sindicatos pela liberdade sindical e contra a ditadura. Ainda estudante passei a ter uma orientação política de esquerda. Vivíamos em uma ditadura. Inicialmente, trabalhei como estagiária num escritório que atendia trabalhadores da construção civil. Um ano depois aceitei o desafio de ser monitora do Direito do Trabalho na PUC/RS, a convite do professor Ermes Pedrassani. Estudava à noite, de manhã era monitora e à tarde estagiava no escritório do professor. Lá, com outros professores universitários, atendemos várias áreas além da Trabalhista, como Cível e Criminal. Aí aprendi muito, na prática, e conheci a Lídia Woida, uma parceira muito importante na minha vida profissional.
Qual foi seu primeiro trabalho/emprego como advogada? Em que cidade? Conte um pouco sobre esse início da profissão.
GISA – Meu primeiro trabalho foi em Porto Alegre, no escritório de Emílio Rothfuchs, que atendia empresas. Logo depois fiz concurso para a Rede Ferroviária, sendo aprovada e admitida. Ali advoguei por dois ou três anos. Nessa época, paralelo ao trabalho de advogada, comecei a militar politicamente, convivendo na Justiça do Trabalho com o ex-prefeito, ex-governador e ex-ministro Tarso Genro, com o Luiz Heron Araújo, e com o Carlos Araújo, ex-marido da presidente Dilma Rousseff. Atuei na Federação Regional de Associações de Moradores de Porto Alegre (Fracab), junto a associações de moradores, e em sindicatos, sempre em parceria com a Lídia Woida. Foi aí que resolvemos montar nosso escritório. Ela foi a primeira sócia, grande amiga, uma irmã. A gente advogou para o Sindicato de Asseio e Conservação, e logo após para o Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas. Logo o escritório cresceu e ficamos em quatro sócias – Lídia, Maria Helena Motta, Elaine Vieira e eu.
O que marcou mais no início da profissão?
GISA – Sem dúvida, o início das negociações coletivas asseguradas pelas greves deflagradas apesar da restritiva legislação que as proibia. Isso tudo na luta pela abertura política do Brasil. Era o final dos anos 1970 e início de 1980 – 1979/1980/81. Nós, os advogados trabalhistas, participamos de mesas de negociações coletivas. Na época, advogava para o Sindicato dos Metalúrgicos, cujo presidente era Paulo Paim, ex-deputado Federal e senador da República desde 2003. Aprendi muito com ele, sempre foi um negociador inteligente. Minha primeira emoção como advogada foi na área coletiva, na negociação coletiva, nas greves e na assessoria de eleições sindicais .
Quem foram seus mestres no início da carreira?
GISA – Foram muitos, mas cito o Emílio Rothfuchs, Ermes Pedrassani, professor, que chegou a ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Luiz Eron Araújo, o mestre, companheiro e amigo Carlos Araújo, e Tarso Genro, entre muitos outros que advogavam para sindicatos.
Quais os maiores desafios do Direito do Trabalho?
GISA – São os desafios do coletivo, de muita responsabilidade. Assessoria de um movimento de greve e/ou de demissão em massa. Satisfaz quando tem uma vitória na assessoria dos trabalhadores. Os anos de maiores conquistas foram os anos 1980, quando tivemos o recomeço do movimento sindical, a luta pelas diretas já, dentro de um idealismo, de um sonho de estar construindo para um país melhor, com democracia e liberdade para os trabalhadores. Este período foi o mais emocionante. Eu tinha acabado de trocar Porto Alegre pelo Rio de Janeiro. Na época, por exemplo, era importante ganhar eleições para as novas diretorias dos sindicatos, afastando direções que estavam comprometidas com os patrões, além de fortalecer a CUT (Central Única dos Trabalhadores), que estava nascendo.
A primeira oposição que assessorei no RJ foi a do Sindicato dos Bancários, que era o maior sindicato do Rio e que a partir daí passou a integrar a CUT. Depois fui trabalhar lá no Sindicato, com dedicação exclusiva, deixando a assessoria jurídica de outros sindicatos e passando a chefiar o departamento jurídico dos Bancários, onde fiquei por 12 anos.
O que move você hoje no Direito é o mesmo que movia no início da profissão? Por quê? O que mudou de lá pra cá?
GISA – Sim, o que me move no direito hoje, ainda é o que movia lá no início, nos anos 1970, é a luta contra a injustiça. Isso é fundamental. Ver uma injustiça contra o trabalhador ou contra uma categoria de trabalhadores – dificuldades salariais, condições de trabalho precárias – e conseguir instrumentalizar juridicamente suas lutas para uma melhoria dessas questões, é o que me move.
O que mudou de lá, dos anos 1970, para cá – 2021 – foi a conjuntura. Os sindicatos hoje não têm mais a inserção que tiveram na retomada de suas organizações após a ditadura. Hoje vemos direções muito burocratizadas, com pouco acesso e comunicação com suas bases. O enfraquecimento dos sindicatos se insere na política deliberada a partir do governo Temer, com ápice na reforma trabalhista de 2017, que restringiu direitos, cerceou o acesso à justiça do trabalho e enfraqueceu as entidades sindicais com o fim do imposto sindical, fonte de custeio importante.
O judiciário também mudou, e também piorou. Hoje, os atuais juízes, em sua maioria, fazem concurso de uma forma genérica. Tanto pode ser para juiz do trabalho – estadual ou federal -, como, por exemplo, para delegado de polícia. O critério de escolha não é mais pela profissão e sim pela estabilidade e segurança. Isso trouxe para o judiciário trabalhista muitas pessoas descomprometidas com a construção e realização do direito do trabalho dentro dos princípios e das regras que lhes são próprias. É triste assistir isso.
Na sua opinião como está o Direito Trabalhista hoje?
GISA – Acredito que estamos na pior época, porque, efetivamente, a reforma trabalhista de 2017 veio potencializar a deterioração das relações de trabalho e impedir o acesso do trabalhador à Justiça. Assistimos julgamentos por tribunais regionais e superiores que restringem o direito de greve, limitam a negociação e reduzem direitos que vinham sendo assegurados. Tudo isso ocorreu sem a reação dos sindicatos, dos trabalhadores.
Sempre tive grande motivação em criar teses, ampliando a interpretação de leis, na construção de uma jurisprudência mais benéfica. Tentei sempre inovar, ousar, ajuizando, inclusive, ações com risco de insucesso.
Hoje, depois da reforma trabalhista, quando há um risco enorme para os trabalhadores, se condenados, terem de pagar as despesas do processo, pagar os honorários do advogado da empresa, isso ficou quase impossível, se não impossível. Atualmente não temos como criar teses ou novas demandas, ficou inviável. É o ruim desta fase em que estamos vivendo.
Qual a dica que você daria para quem está começando no Direito Trabalhista?
GISA – Está muito difícil, mas não dá para perder o tesão e a esperança. Novos tempos virão e quem sabe a gente vai fazer um trabalho com mais garra e mais sucesso.