Aos 40 anos, Marco Vinícius Moreira Lamarão está convicto da profissão que escolheu aos 22: professor de História na rede pública de ensino. Para isso, se preparou com uma graduação em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e se especializou com mestrado e doutorado em Educação, ambos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 2016, Lamarão é concursado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense), no Campus Macaé/RJ, onde dá aula de História para alunos do ensino médio à graduação. Com uma jornada semanal de 40h de dedicação exclusiva, ele avalia que a docência compensa muito mais pelas experiências, transformações e afetos do que pela remuneração material. Por isso, ele considera a docência uma escolha política.
Além de seus conhecimentos teóricos, o professor leva para a sala de aula criatividade e arte. Entre os exemplos estão o violão, usado para paródias, e as habilidades que aprendeu no teatro, como imitar figuras públicas, que fazem sucesso entre os alunos e ajudam a motivar as turmas. Ele ressalta que adora dar aula para o ensino médio, a “molecada”, como chama, com marcado sotaque carioca. Pela sua experiência, os assuntos preferidos dos alunos – além das duas grandes guerras mundiais – costumam ser aqueles em que conseguem criar relações mais explícitas com a realidade, por exemplo, como os resquícios da escravidão ainda hoje interferem na formação de classes da sociedade. Esse é um esforço que ele faz em todas as aulas, para que entendam o impacto da história na vida atual.
A escolha de Marco pela disciplina de História está ligada às suas experiências quando ainda era aluno de biotecnologia na Escola Técnica Federal de Química, no Rio de Janeiro. Na época, começou a participar de movimentos sociais por meio do Grêmio Estudantil e da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, e percebeu que as ciências humanas faziam mais sentido para ele do que as naturais “Eu tinha muito mais facilidade em decorar os nomes dos presidentes do Brasil do que a nomenclatura da cadeia de carbono”, comenta, rindo.
Durante os 18 anos em que leciona – Marco começou a dar aulas em 2003, um ano depois de iniciar a graduação em história – ele desenvolveu uma persona para a sala de aula, o Professor Lamarão “muito mais contido nas palavras, e ao mesmo tempo mais extrovertido que o Marco Lamarão”, explica. Apesar de manter a postura com as piadas dos alunos, por exemplo, também é o espaço onde se permite maior exposição. Nem sempre foi assim. Um dos seus desafios na docência foi vencer a timidez.
O PRIMEIRO EMPREGO – Seu primeiro emprego foi em 2003, aos 22 anos, em um colégio particular, no qual a remuneração e as condições de trabalho não eram boas. Ele ganhava R$80,00 por mês, cerca de R$5,50 por hora aula, para ministrar história em turmas seriadas, ou seja, dois níveis na mesma sala. “Tinha que dar metade do quadro ao primeiro ano e a outra para o segundo. Conteúdos completamente diferentes, um só pagamento”, revela. Ele classifica as suas aulas daquela época como “horríveis”, devido a falta de prática . “Copiava o livro para o quadro e explicava. Minha sorte era que, como eu tinha apenas 22 anos, os alunos de 15, 17, gostavam de mim, e me viam como amigo”.
Naturalmente hoje, 18 anos depois, as aulas de Marcos são muito diferentes, e ele dá mérito aos seus alunos, com os quais diz aprender todos os dias: “Na verdade, o professor se vale daquela música do Gonzaguinha ‘cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz’. É isso que nós fazemos na sala de aula. Eles [os alunos] acham que não, mas eu aprendo muito”. A prática docente, segundo Marco, está sempre em transformação. Ele testa as diferentes formas de transmitir conhecimento, e o que dá certo fica.
Além dos alunos contribuírem para a técnica dele como professor, sua vida pessoal também foi impactada. Paradoxalmente, estando em uma posição de fala, Marco elege como seu maior aprendizado na docência a prática da escuta. “Quando eu saio da sala de aula eu já não quero mais falar. Gosto muito de escutar”. Outro aprendizado que destaca é a importância de não assumir que algo é óbvio. “Ensinar é um processo de descortinar, aquilo que é óbvio para mim pode não ser óbvio para outra pessoa. Eu tenho que sempre estar partindo dessa tensão”. E, por fim, ele descreve o que há de melhor na prática docente. Apesar de não conseguir eleger um único momento como o mais marcante, sabe dizer, prontamente, qual é o seu sentimento ao atuar na educação: “É a possibilidade de você transformar vidas, mesmo que seja molecularmente, ou seja, uma mudança pequena, mas significativa”.
E é por conta desta potencialidade que Marco considera a docência uma escolha política. “Eu tomei uma decisão, além de estar na escola, eu fiz questão de estar na escola pública“, conta. “A educação é um instrumento de transformação muito poderoso, e ir para a escola pública significa encontrar os filhos da classe trabalhadora”. Isso, para ele, significa um tipo de resistência que, em parcela, é feita pelos educadores.