A advogada Ana Luísa Palmisciano, sócia do escritório Machado Silva & Palmisciano, recebeu em agosto de 2022 o título de doutora em Teorias Jurídicas Contemporâneas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Sua obra, intitulada Expectativas e Percepções de Trabalhadores em Demandas por Justiça, tem contribuições teóricas e práticas. Ana investigou, sob uma perspectiva filosófica, as expectativas e percepções sobre a justiça – e a injustiça – no Direito do Trabalho. Para os estudantes, abre uma perspectiva mais humanizada sobre a Justiça do Trabalho. Na prática, pode ajudar advogadas e advogados a acolherem os anseios e necessidades dos clientes.
Em entrevista online, a advogada e pesquisadora contou que a motivação da sua tese foi a percepção, em mais de 20 anos de atuação no Direito Trabalhista, de que a reparação econômica é necessária, mas não dá conta de abarcar as injustiças sofridas pelos trabalhadores. “É uma forma de reconhecimento, mas essas pessoas também não podem ser tratadas como mercadoria”, alerta. “Não é só dinheiro, é o tempo, a energia e o mérito envolvidos na prática laboral”, complementa.
Seu trabalho tem extensa revisão bibliográfica com outras obras semelhantes e contou com 12 entrevistas com trabalhadores atendidos pelo Núcleo de Prática Jurídica da PUC-Rio nos anos de 2020 e 2021. Entre eles haviam negros e brancos, homens e mulheres de diferentes níveis educacionais e cargos. Os casos atendidos variam em falta de reconhecimento de vínculo, assédio e bullying praticados pelo empregador.
Nessas entrevistas, a advogada constatou uma busca do judiciário como canal de escuta. Além dos direitos elencados nas ações, os trabalhadores também querem ser ouvidos quanto ao tempo, dedicação e energia que doaram para o ambiente laboral em uma tentativa de reconhecimento do trabalho como obra. A tese, conta Ana, também diagnosticou ansiedade e frustração pelo tempo do processo. “Isso sem falar do medo de sofrer retaliações no mercado”, explica.
Em seu resumo, a advogada e professora confirma a hipótese de que análises sobre acesso à Justiça podem se entrelaçar a perspectivas mais amplas, como a ênfase filosófica, ou seja, buscando entender as subjetividades inseridas no campo do Direito Trabalhista, como a questão emocional das vítimas.
A advogada, que defende a paixão pela pesquisa como combustível para concluir uma tese, sentiu a necessidade de preencher essa lacuna na prática jurídica. “Eu tive a paixão por entender o lado dos trabalhadores, das injustiças enfrentadas que não podem ser reparadas economicamente”.
Além de trabalhar em diversos casos no MS&P, Ana, que também é mãe e professora, dá uma dica para as (os) pós-graduandas (os): “Não se faz pesquisa sozinha. É necessário uma rede de apoio”, sublinha a advogada. “Precisamos da ajuda da família, que acaba tendo que conviver e compreender ausências, dos amigos, e dos colegas de trabalho”. Ela também relembra que foram mais de quatro anos aperfeiçoando sua tese, que se construiu ao longo do tempo, depois de muita reflexão e estudo. “Um trabalho assim não nasce do dia pra noite”, ensina.
Na sua carreira acadêmica, Ana Luísa é graduada em Direito pela PUC-RJ, mestre em Ciência Política pela UFRJ e também é professora de Prática Jurídica Trabalhista na UFRJ e de Direito do Trabalho e Estágio supervisionado na PUC-RJ.
Confira, abaixo, uma entrevista com Ana Luísa sobre a conclusão da sua pesquisa:
- Foram quatro anos dedicados a uma pesquisa robusta, inúmeras consultas bibliográficas e muitas entrevistas. O que vai mudar na sua atuação como advogada depois deste processo?
Ana Luísa Palmisciano: O que me motivou a fazer essa tese foi a percepção – como advogada nos núcleos de prática da PUC e da UFRJ e também como advogada trabalhista no MS&P – de que os trabalhadores precisavam de uma Justiça diferente de somente o reconhecimento monetário, precisavam de algo que fosse além disso. A pesquisa confirma minha hipótese de que esse ideal inclui a Justiça com perspectiva filosófica do mundo do trabalho, o que amplia meu olhar para perceber que, muitas vezes, quando somos acionados existem muitas demandas, até inconscientes, que não conseguimos abarcar apenas pela perspectiva técnico jurídica. Precisamos estar abertos a essa visão, que pode inspirar novas teses durante nossa atuação.
- Qual foi a reação dos trabalhadores quando aconteceram as primeiras abordagens para entrevista? Foram abertos a sua proposta?
A.L.P. – A reação foi sempre muito positiva, todos deram autorização expressa. Mas, com a preocupação de preservar a imagem destes trabalhadores, nenhum foi identificado. Todos contribuíram e ficaram animados com a ideia de falar sobre isso. Acredito que até um pouco surpresos, pois existe pouco espaço para escuta dessas demandas, dessa perspectiva. Poucos falam sobre o que o trabalho significou para a vida daquela pessoa.
- Cite algumas das contribuições teóricas e práticas de sua pesquisa para o Direito.
A.L.P. – A percepção de que as ações judiciais podem ter uma perspectiva além das questões monetárias. E, além disso, como já citado, o entendimento de que a Justiça do Trabalho também pode ser um lugar de escuta para essas aflições.
- O que você diria para novos pesquisadores, que estão ingressando no mestrado agora e iniciando sua vida acadêmica?
A.L.P. – É ter a paixão por um tema, resistir, insistir, persistir e contar com uma grande rede de apoio, familiar, de amigos, o que é essencial nesse processo acadêmico. Também precisamos ter redes de apoio nas universidades. Precisamos que a academia tenha solidariedade e entenda a humanidade nesses trabalhos, que os estudantes não são máquinas. Também acredito que seja importante que os pesquisadores reconheçam isso, que não são meros reprodutores, mas sim produtores de conhecimento, e que devem respeitar seus limites e subjetividades.