Texto: Lara Machado Luedemann, advogada especializada em Direito Sindical e Direito das Mulheres
Mais um ano se passou, e cá estamos escrevendo novamente sobre os crimes praticados contra a vida das mulheres. Tentando juntar em palavras os sentimentos desesperados e desiludidos que imaginam uma vida mais digna para as mulheres do Brasil e do mundo.
Houve avanços na Legislação pertinente à violência de gênero, como é o caso da Lei nº 14.713 de 31 de outubro de 2023, que garante às mulheres que sofrem de violência doméstica a guarda de seus filhos, ou seja, torna a guarda compartilhada inadmissível. Outro passo adiante foi dado pela Comissão de Constituição e Justiça de Cidadania (CCJ) aprovando um Projeto de Lei que prevê até 2 anos de prisão para quem praticar “stealthing”, isto é, retirar camisinha durante o ato sexual sem consentimento. Para se tornar Lei, ainda precisamos aguardar a aprovação na Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
No entanto, apesar de diversos progressos nas garantias e direitos das mulheres, para além da obrigação do Poder Judiciário, adotar o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, conforme a Resolução nº 492, o aumento da violência contra a mulher é latente no Brasil.
Uma pesquisa recente, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública por meio do Instituto Datafolha[1], escancarou que todas as formas de violência desse tipo cresceram nos últimos tempos. Tal pesquisa é feita desde 2017 e já está na sua quarta edição. A última mostrou um recorde de violência contra a mulher: foram mais de 18 milhões de mulheres vítimas de violência em 2022. São mais de 50 mil vítimas por dia em um estádio de futebol lotado.
E mais, metade dessas mulheres violentadas não tomam qualquer atitude depois de sofrer as agressões, ou seja, mesmo que existam leis de enfrentamento à violência de gênero, mesmo que ocorra a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, metade dos casos de violência contra mulher sequer chegarão ao Poder Público, seja através das Delegacias da Mulher (DEAM), seja através da abertura de processos no Judiciário.
Assim, já está mais que claro que as medidas adotadas pelo Estado, seja na criação de leis e métodos de aplicação delas, não estão sendo o suficiente para o devido enfrentamento da violência contra a mulher. Pensamos que tal enfrentamento deve ser feito por todas as categorias sociais, trazendo a discussão ao público, e com a participação de todos os setores, não devendo estar restrito somente a um poder de fiscalização e punição estatal.
É preciso repensarmos em uma educação emancipadora, que envolva a participação ativa de todos os membros da sociedade, que se discuta de verdade as formas de enfrentamento da violência contra a mulher, para que assim não fiquemos ano após ano batendo recordes com números absurdos de todos os crimes cometidos contra nós mulheres. Já percebemos que não basta só o punitivismo da criação de leis mais severas, são necessários o diálogo e a publicização de informações que sejam passíveis de transformar a sociedade como um todo.
[1] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/07/anuario-2023.pdf.