Além de minar a produção científica do país, a redução orçamentária coloca em risco pagamento de prestadores de serviço, precarizando funcionamento das instituições
Paralisação de obras, interrupção no pagamento de bolsas de pesquisa e insegurança para honrar a folha de pagamento dos serviços terceirizados: essa é a realidade das universidades públicas brasileiras que, apenas na previsão orçamentária de 2021, tiveram uma redução de R$ 1 bilhão em recursos, 18% a menos quando comparado com o orçamento de 2020.
Só a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, uma das líderes em produção científica no país, sofreu um corte de 20% no orçamento de 2020 para 2021. De acordo com o Pró-Reitor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças, Eduardo Raupp, o corte atinge em cheio todas as atividades. A UFRJ está salvaguardando as bolsas estudantis, mas a previsão é que só tenha condições de pagar os contratos até o mês de setembro, por exemplo. Não só os alunos e as dependências da instituição (com atraso de obras e reformas) são prejudicadas, mas principalmente os funcionários terceirizados: “Se as empresas prestadoras de serviço não puderem suportar suas folhas de pagamento com nossos atrasos existe, até, risco de demissões”.
Infelizmente, a possibilidade parece estar se concretizando. Na última quinta, 8 de julho, a Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (AdUFRJ) lançou uma nota repudiando a demissão de seis funcionários a partir de um novo contrato com uma firma de limpeza do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) – UFRJ. A nota informa que, de acordo com o CCMN, a decisão partiu exclusivamente da nova empresa, não havendo nenhuma responsabilidade da UFRJ nessas demissões.
O advogado Bruno Freitas – sócio do escritório MS&P – conta que já estavam ocorrendo atrasos no pagamento desses funcionários. Ele acompanhou, de forma voluntária, uma reunião da Associação dos Trabalhadores Terceirizados da UFRJ (ATTUFRJ) sobre a situação: “As Universidades, antes, pagavam diretamente ao trabalhador. É também responsabilidade dela fiscalizar o pagamento dos prestadores de serviço, mas houve uma ruptura nessa dinâmica.” explica Bruno. Durante uma reunião, a própria procuradoria da instituição estava apontando a possibilidade de fazer uma ação de consignação de pagamento. Em contrapartida, a ATTUFRJ, assessorada pelo escritório MS&P, deu a opção de um acordo extrajudicial, que foi redigido e apresentado. Até a publicação dessa matéria, não houve resposta para a proposta.
A ATTUFRJ declarou preocupação com os cortes, entendendo que os terceirizados são a categoria mais afetada “ eles podem ficar sem emprego com a suspensão dos contratos das empresas de limpeza, segurança e outros serviços”. Além disso, Ana Luísa Palmisciano – sócia majoritária do MS&P e especialista em Direito do Trabalho, Servidor Público e Previdenciário – observa que os problemas com o pagamento de prestadores de serviço podem se agravar ainda mais com a chamada Reforma Administrativa, (PEC 32/20).
Se aprovada, a PEC 32/20 é uma ameaça direta aos servidores públicos, que irão perder estabilidade, caso não sejam de carreiras típicas do Estado (ou seja, sem relação com o setor privado). “O que percebemos a respeito das terceirizações é que esses trabalhadores, sem estabilidade, podem até mesmo ser perseguidos por suas reivindicações, como questionar a precarização do trabalho ou atrasos nos pagamentos”, alerta Ana Luísa.
DIÁLOGO COM O GOVERNO FEDERAL – Eduardo Raupp, da UFRJ salienta que a reitoria está tentando, com apoio da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior -ANDIFES, estabelecer um diálogo com o Governo Federal e o Ministério da Educação, lutando pela recomposição do orçamento ainda neste ano. “Infelizmente, as respostas têm sido limitadas à liberação do orçamento aprovado, o que ratifica a perda que tivemos”, explica. “O Ministério alega ser uma decisão do Ministério da Economia, que são reduções inevitáveis para respeitar os limites fiscais” O Pró Reitor também comenta que embora salários e aposentadorias de funcionários concursados estejam garantidos, os cortes vão prejudicar seriamente o retorno às atividades presenciais.
Em nota, a ANDIFES se posicionou demonstrando preocupação com a manutenção das atividades de ensino e pesquisa: “Reduzir ou paralisar nossas atividades não é uma opção. Seria o mesmo que impor uma punição aos brasileiros, já tão agastados com a pandemia. Rever valores, conceitos e prioridades é o caminho para o qual conclamamos as autoridades”, assinalou a associação.
Crise nas universidades é nacional
A tendência em diminuir o orçamento das Universidades é nacional e diminui ainda mais o fôlego das instituições que estão sofrendo hemorragias no orçamento desde 2014, após uma singela melhora nos investimentos durante 2011 e 2013 (veja infográfico do portal G1 acima). Em uma década, a verba destinada às universidades federais diminuiu 73%. A queda afeta despesas correntes, como o pagamento de água, luz, segurança, bolsas de estudo e programas de auxílio estudantil. Esses últimos, além de colocar em risco o direito à educação para estudantes em situação de vulnerabilidade, também significam um ataque direto à produção científica no país. Quinze universidades — todas elas públicas — são as que produzem mais da metade da ciência brasileira, 60%.
Assim como a UFRJ, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Universidade Federal de Brasília (UNB) – outras das grandes responsáveis pela produção de conhecimento científico no Brasil – também estão gravemente ameaçadas pelos cortes orçamentários.
O secretário de Planejamento e Orçamento da UFSC, Fernando Richartz, explica que com R$21 milhões em orçamento bloqueados, ou seja, não disponível para uso, a instituição enfrenta à falta de recursos para manutenção da infraestrutura predial, e TI, além de programas de estágio e projetos de pesquisa e extensão que carecem de verbas. Assim como a UFRJ, a UFSC tenta apoio para retomar investimentos: “localmente, temos agido em articulação com a bancada catarinense para obtenção de recursos por meio de emendas e, também, para obter apoio no congresso nacional para aprovação de pautas pró-educação”, diz Fernando Richartz.
Por meio da assessoria de imprensa, a UNB declarou que entre os principais obstáculos está a insegurança, por exemplo, nos investimentos em pesquisa. A atual gestão assumiu a Reitoria em novembro de 2016, tendo, para 2017, um orçamento cerca de 40% menor para despesas discricionárias. A instituição salienta a importância de investimento na educação, reiterando ainda o contexto da pandemia, sendo que as universidades públicas foram importantes aliadas na produção de vacinas e pesquisas para o combate do coronavírus: “nossa atuação durante a pandemia tem nos aproximado cada vez mais da sociedade e demonstra que somos cada vez mais essenciais, sendo assim reconhecidos. Não podemos parar.”