Maiara Leher, graduada em Direito pela UFRJ em 2007, é pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, e hoje atua em Direito Trabalhista, de Servidor Público e Previdenciário. Nos últimos anos vem se dedicando a doenças do trabalho e, por este motivo, fomos entrevistá-la para falar sobre a mais nova doença, a Síndrome de Burnout, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde a partir de 1 de janeiro deste ano. No MSP, o coletivo de advogados já atuou em muitos casos na Justiça do Trabalho e no âmbito da Administração Pública, judicial e administrativamente, nos quais os trabalhadores adoeceram em razão das condições do trabalho desempenhado.
Nesta entrevista, ela aborda a alteração da lei relacionada à Sindrome de Burnout, os direitos dos trabalhadores e a responsabilização das empresas. Desejamos uma ótima leitura!
Qual a importância na alteração desta lei?
Maiara Leher – A inclusão da Síndrome de Burnout na CID (Classificação Internacional de Doenças) da OMS (Organização Mundial da Saúde), com o reconhecimento da sua natureza relacionada ao trabalho, possui significativa importância nos direitos trabalhistas e previdenciários. Esses direitos passam a ser assegurados no caso de doenças relacionadas ao trabalho, bem como na responsabilização dos empregadores, seja no aspecto preventivo, assegurando-se efetivamente um ambiente de trabalho seguro e saudável, seja na responsabilização em decorrência dos efeitos causados na saúde e na vida de seus trabalhadores.
Quais são esses efeitos?
M.L. – No que se refere a estes direitos – previdenciários e trabalhistas – destaco o afastamento superior a 15 dias, pois o empregado passa a ter direito ao auxílio-doença acidentário, benefício previdenciário concedido pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que enseja a estabilidade provisória do empregado pelo período de 12 meses, após o fim da percepção do referido benefício.
De forma geral, podemos destacar ainda que o reconhecimento da sua natureza relacionada ao trabalho é de suma importância para a saúde do empregado, na medida em que incentiva a adoção de medidas preventivas por parte do empregador, evitando-se o adoecimento de seus empregados. Por outro lado, na hipótese de adoecimento do empregado, com a comprovação do diagnóstico específico relacionado ao trabalho, a recente inclusão da Síndrome de Burnout na CID da OMS facilita a responsabilização dos empregadores quanto aos danos causados ao trabalhador.
Vocês já tiveram casos como esse no escritório?
M.L. – Já atuamos em muitos casos na Justiça do Trabalho e no âmbito da Administração Pública, judicial e administrativamente, nos quais os trabalhadores adoeceram em razão das condições do trabalho desempenhado. Entre as causas estão a cobranças de metas excessivas e inalcançáveis, jornadas extensas e esgotantes, bem como situações reiteradas de desrespeito e assédio no ambiente de trabalho, o que resulta no esgotamento físico e mental do trabalhador, manifestado muitas vezes por meio de sintomas de ansiedade e depressão. Ocorre que muitas vezes não havia um diagnóstico específico relacionado ao trabalho, e a doença acabava sendo diagnosticada como depressão, ansiedade e crise de pânico, por exemplo. Nesses casos é essencial comprovarmos o nexo de causalidade da doença e de seus manifestos sintomas com o trabalho e suas condições. Em muitos casos, ainda que sem CID específica de doença relacionada ao trabalho reconhecida pela OMS – como atualmente – já levantávamos, aqui no escritório e com escritórios parceiros, a discussão acerca do diagnóstico da Síndrome de Burnout e de sua relação com o trabalho.
Como o trabalhador deve reagir nesse tipo de situação?
M.L. – É essencial que o trabalhador busque assistência médica e apresente atestados e laudos médicos ao seu empregador, no qual haja o diagnóstico correto de doenças relacionadas ao trabalho. Nesse caso, o empregador deverá emitir uma Comunicação de Acidente de Trabalho ao INSS. Não sendo adotada essa providência pelo empregador, o próprio empregado, seus dependentes, a entidade sindical, seu médico ou autoridade pública poderá registrar a Comunicação de Acidente de Trabalho na página do INSS.
Como os profissionais de Direito devem buscar informações que comprovem que os empregados sofrem com a síndrome? Que tipo de informações devem buscar?
M.L. – É necessário buscar elementos que comprovem a relação, o nexo de causalidade, entre o trabalho e a doença. Desse modo, para que os advogados possam atuar em defesa dos direitos e garantias do trabalhador, inicialmente é essencial que haja o reconhecimento desse nexo do ponto de vista técnico, mediante laudos médicos. Para a produção da prova técnica ou para além dela, poderá ser produzida prova relacionada ao contexto do labor desempenhado, mediante a oitiva de testemunhas e a juntada de documentos.
Cada caso, por óbvio, tem suas especificidades, mas poderá ser comprovado, por exemplo, que o trabalhador desempenhava jornadas excessivas, sem os intervalos para o descanso integralmente assegurados, sem o direito à desconexão, com cobranças e metas igualmente excessivas.
Qual a responsabilização das empresas na Justiça do Trabalho?
M.L. – O empregador possui a obrigação de zelar pela saúde de seus trabalhadores e por assegurar um meio ambiente de trabalho igualmente saudável. Além de respeitar o período de estabilidade provisória após o fim do afastamento, com percepção do auxílio doença acidentário, o empregador poderá ser condenado a pagar indenização pelos danos morais e/ou materiais causados. Os danos morais são aqueles causados à auto estima, à personalidade do trabalhador. Os danos materiais poderão ser desde as despesas médicas suportadas pelo trabalhador em razão do adoecimento, até o prejuízo financeiro sofrido em razão da redução ou perda temporária ou definitiva da sua capacidade laboral.
A pandemia e o home office/teletrabalho ajudaram a acelerar os casos da Síndrome de Burnout? Por quê?
M.L. – A pandemia sem dúvida gerou um aumento de casos da Síndrome, considerando que de uma forma geral os trabalhadores passaram a se sentir angustiados em razão das incertezas com o futuro, do medo da doença, da morte e também da perda de seus empregos. Somado ao estado de saúde emocional já fragilizado, tivemos um aumento excessivo das cobranças e das jornadas de trabalho daqueles que mantiveram seus empregos.
De forma geral, não há controle da jornada de trabalho – especialmente do respeito ao limite de horas diárias trabalhadas – e do efetivo gozo dos intervalos para descanso, até mesmo diante da previsão existente na CLT, em seu artigo 62, III no sentido de que os empregados em regime de teletrabalho não estão submetidos ao controle de jornada.