Anna Paula Feminella, 50 anos, chegou à Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do terceiro Governo Lula, com muita sapiência e vivência nas áreas de Educação, Inclusão de Pessoas com Deficiência e Gestão Pública. Sua indicação partiu das bases dos movimentos de deficientes, com centenas de assinaturas, justamente por seu incansável trabalho na luta pela inclusão, sempre enfrentando o preconceito.
Cadeirante, ativista de Direitos Humanos, feminista, ela atendeu a jornalista Duda Hamilton de forma intercalada, entre um e outro compromisso. Vivendo em Brasília desde 2009, é servidora efetiva da Escola Nacional de Administração Pública desde 2010. Anna Paula atuou na coordenação do Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência no Governo Dilma Rousseff (2014/2016) e no Programa de Inclusão de Pessoas com Deficiência da Enap (Escola Nacional de Administração Pública). Representou o Brasil na ONU (Organização das Nações Unidas) de Nova Iorque, onde apresentou a Lei Brasileira de Inclusão, na parte de emprego.
Nas entrevistas costuma dizer que não se dobrou nem com a medula partida num acidente que teve em Florianópolis em 2003. Desde janeiro último vive novos desafios e enfrenta a falta de políticas públicas, que perpetuam a exclusão e a violência contra pessoas com deficiência.
Os problemas são muitos, diz Anna Paula, acrescentando que o preconceito deve ser enfrentado e, para isso, a Secretaria está elaborando o Programa Viver Sem Limite 2. “Vamos utilizar aprendizados que tivemos com o Viver Sem Limite, lançado em 2011, para implementar políticas públicas articuladas”, ressalta a secretária. É preciso, segundo ela, promover os direitos das pessoas com deficiência em todas as esferas, da acessibilidade urbana à proteção social, passando pelo acesso ao trabalho digno, moradia, cuidado, saúde e escola. Acompanhe abaixo a entrevista e boa leitura!
Quais são os principais desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência no mercado de trabalho?
Anna Paula Feminella – São inúmeras as barreiras – e muitas começaram anos antes de a pessoa tirar a carteira de trabalho. A primeira é no próprio acesso a uma Escola acessível, com centros multifuncionais. A segunda, no acesso a meios de transporte e infraestrutura urbana acessíveis que permitam o próprio acesso a um local de trabalho.
É um exemplo do que chamamos de o princípio da interdependência dos direitos humanos: a não-realização de um direito (à Educação e ao transporte acessível) compromete a realização de outro (ao Trabalho), em um efeito cascata da exclusão.
Essas barreiras continuam no ambiente de trabalho. Há barreiras físicas, como a falta de acessibilidade e adaptação de equipamentos, barreiras comunicacionais e tecnológicas, como a falta equipamentos – muitos deles bastante simples – que adaptam instrumentos de trabalho como computadores para pessoas. As barreiras mais perversas, entretanto, são as atitudinais – a recusa em reconhecer a capacidade produtiva, a dinamicidade e o potencial laboral de pessoas com deficiência.
Como o preconceito e os estereótipos afetam as oportunidades de emprego para as pessoas com deficiência?
A.P.F. – Voltamos às barreiras atitudinais. Até hoje, muitos empregadores vêem a capacidade diversificada de uma pessoa com deficiência como uma incapacidade de ser produtiva. Isso leva muitos atores econômicos a retratarem certas vidas como inúteis ou custosas e, como tais, descartáveis.
Então o enfrentamento ao preconceito é fundamental. Mas também não é o bastante. Porque, mesmo quando o preconceito é superado, há barreiras de conhecimento. Adaptar postos de trabalho não é necessariamente difícil ou complexo, mas a grande maioria das organizações não têm o conhecimento necessário para fazê-lo.
Quais são os obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência na busca por acessibilidade no ambiente de trabalho?
A.P.F. –A falta de solidariedade, expressa na resistência de muitas organizações em cumprir a obrigação que têm de promover acessibilidade, e falta de conhecimento, manifesta no pouco conhecimento que a maioria das organizações têm sobre como realizar adaptações razoáveis.
Por isso, é preciso educar e educar. É preciso educar sobre a obrigação de tornar o trabalho acessível e educar sobre as melhores formas de tornar o trabalho acessível. Porque, no final das contas, não existe vaga que não pode ser ocupada por pessoas com deficiência. Só existem vagas que não foram adequadamente adaptadas.
Qual a importância da capacitação e treinamento para as pessoas com deficiência no mercado de trabalho?
A.P.F. – Eu prefiro utilizar o termo Educação, que abrange tanto a formação técnica e operacional sobre como realizar sequências de tarefas quanto a conscientização, da pessoa com deficiência, de que ela tem a capacidade – e, acima de tudo, o direito – de ser produtiva, acessando postos de trabalho sem barreiras e sabendo utilizar as adaptações disponíveis.
Mas, voltando ao ponto anterior, não são apenas as pessoas com deficiência que precisam ser capacitadas para o mercado de trabalho. O mercado de trabalho precisa ser capacitado para absorver pessoas com deficiência – e entender que ganhará muito com isso.
Ainda na esfera da Educação, precisamos formar pessoas com deficiência não apenas para serem trabalhadoras, mas também para serem lideranças. Um grande desafio hoje é formar uma nova geração de lideranças para o movimento das pessoas com deficiência.
5. Como as empresas podem promover a inclusão e a diversidade no ambiente de trabalho para as pessoas com deficiência?
A.P.F. – Primeiro, superando o capacitismo – que podemos definir como uma delirante ideia de que um outro ser humano é inferior e incapaz de contribuir para a sociedade e exercer a plena cidadania pelo fato de ter uma deficiência. Segundo, apostando nos milhares de talentos brasileiros que hoje são descartados por serem pessoas com deficiência.
Terceiro, escutando essas pessoas sobre as adaptações – muitas delas triviais – que necessitam para exercer o próprio talento. Por fim, quando necessário, buscando informações junto a órgãos públicos, organizações não-governamentais e empresas especializadas sobre como adaptar postos de trabalho.
6. Quais as principais ações da secretaria para os próximos meses ou até o final do ano?
A.P.F. – Infelizmente, o Brasil não tem – desde 2016 – uma estratégia coerente, multinível e integrada para a promoção dos direitos das pessoas com deficiência. Por isso, está em processo de elaboração o Programa Viver Sem Limite 2 – que utilizará os aprendizados que tivemos com o Viver Sem Limite, lançado pela ex-presidenta Dilma Rousseff em 2011, para implementar políticas públicas articuladas que promoverão os direitos das pessoas com deficiência em todas as esferas, da acessibilidade urbana à proteção social, passando pelo acesso ao trabalho digno, moradia, cuidado, saúde e escola.
Nesse contexto, de particular importância será a consolidação, no Brasil, da avaliação biopsicossocial da deficiência – uma abordagem integrada que irá superar a perspectiva exclusivamente médica e binária da deficiência, identificando as características de cada pessoa.
Outra questão muito importante para nós é a formação de lideranças com deficiência. Temos muitos jovens com deficiência, muitas delas de periferia, cujos talentos, energia e liderança precisam ser fomentadas. Porque o futuro das políticas para esse segmento pertence a elas.
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SUA HISTÓRIA
Nascida em Florianópolis (SC), no bairro Capoeiras, em 1 de novembro de 1972, Anna Paula Feminella tornou-se professora da rede municipal e, ao mesmo tempo, iniciou sua participação no movimento sindical e como militante política do PT em 1999, na capital catarinense. Em 2003, logo depois de casada, um acidente doméstico a deixou paraplégica, o que mudou totalmente sua vida. Anna, então com 31 anos, se submeteu a cirurgias e depois de três meses foi para o Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, destinado ao atendimento de pessoas com problemas locomotores. Foi um impacto forte, mas ela conseguiu superar o trauma e a depressão, tornando-se ativista e integrante do Coletivo de Mulheres com Deficiência.