Neste 20 de novembro, data em homenagem a Zumbi, um pernambucano que nasceu livre e foi escravizado aos seis anos de idade, é o Dia Nacional da Consciência Negra. Para entender sobre a atual situação de negras e negros no Brasil, entrevistamos a advogada Luana Leal, que faz parte da equipe do escritório MS&P.
Com 25 anos, Luana é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante do grupo de pesquisa Configurações Institucionais e Relações de Trabalho – CIRT, vinculado ao PPGD/UFRJ.
Mestranda em Teorias Jurídicas Contemporâneas pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da UFRJ, sua pesquisa é focada em questões raciais e como elas afetam as relações de trabalho. Desde 2018, Luana desenvolve pesquisas sobre a temática “Racismo”. Nesta entrevista, ela explica sobre a discriminação e a realidade brasileira, além de informar quais as motivações que a levaram a estudar com mais afinco este tema.
MS&P – Qual foi sua motivação para escrever a dissertação de mestrado sobre questões raciais?
Luana Leal: Eu pesquiso sobre a temática desde 2018, quando comecei a ler textos que explicavam as relações raciais no Brasil e nos Estados Unidos. Tive contato com os trabalhos de Angela Davis, que foi uma das minhas primeiras leituras no tema, e também Sueli Carneiro. Essas autoras me cativaram muito, cada vez que lia me identificava mais, sentia gosto por entender a situação em que vivemos e como as relações raciais afetam a vida. E, mais especificamente, no meu caso, as relações de trabalho. Então eu fui me aproximando disso, e quis trazer alguma contribuição sobre o tema.
MS&P – Em um de seus artigos, você aborda a chamada discriminação indireta. O que pode ser considerado discriminação indireta? Como isso afeta a vida da população negra brasileira?
Luana – A discriminação indireta é uma ferramenta jurídica que já existe há alguns anos. É um instrumento interessante, pois possibilita identificar a ocorrência de discriminação, independente de uma intenção direta de discriminar. A discriminação indireta está preocupada com os efeitos, os impactos desproporcionais de uma conduta.
Sendo assim, a discriminação indireta independe de atos notadamente discriminatórios, e também não é direcionada a uma pessoa específica, pois afeta todo um grupo, gera impactos desproporcionais para um grupo que já está inserido de forma desigual na sociedade. São posturas aparentemente neutras, mas que na verdade podem reforçar a desigualdade já existente. Podemos citar como exemplo de discriminação indireta no mercado de trabalho, vagas que exigem ensino medio completo e proficiência em inglês, sendo que no exercício daquela vaga o profissional não vai se valer desses conhecimentos. Esses requisitos, mesmo sem intuito discriminatório por parte do contratante, na verdade só criam um diferencial para a vaga que não corresponde à maioria do conhecimento da população negra, mesmo que essas aptidões não sejam relevantes para o trabalho. Estas exigências geram um impacto desproporcional em que menos pessoas negras estarão aptas a concorrer.
MS&P – Qual a atual situação das pessoas negras no mercado de trabalho? O que pode ser feito para garantir mais igualdade?
Luana – Diversos estudos e pesquisas do IBGE comprovam que negras e negros são maioria nos indices de desemprego, que inclusive aumentaram na pandemia. Outro dado é que essa população ocupa a maioria dos postos de trabalho informais, que tem a maior flutuação de renda e menor garantia de trabalho. Como exemplo, os trabalhadores informais foram extremamente afetados pela pandemia e pelas medidas de lockdown.
Negras e negros também são maioria na taxa de subutilização ou subocupação, ou seja, o trabalhador não trabalha ou trabalha menos do que gostaria, em empregos parciais ou temporários. Essas condições precárias comprometem a renda do trabalhador. Temos um alto número de desalento também, que são as pessoas que desistiram de procurar emprego, porque elas sequer têm condições para tal. Isso envolve diversos fatores. Podemos citar o transporte, que tem um altíssimo custo aqui no Rio de Janeiro. Se a pessoa não tem o básico, ela não consegue se inserir no mercado de trabalho formal.
Para mudar essa realidade, devemos considerar políticas públicas de inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho. Nós já vemos, por exemplo, vagas exclusivamente para candidatos negros em programas de trainee, o que é uma excelente forma de inserção de negros e negras recém-formados no mercado de trabalho.
MS&P – Na sua opinião, quais são os principais pilares no combate ao racismo? O que ainda precisa ser feito?
Luana – É muito complexo. O racismo é uma dinâmica de discriminação multifacetada, que afeta diversas esferas do individuo e da coletividade. A abordagem precisa ser ampla. É preciso combater o trabalho infantil, fazer a reforma urgente do sistema prisional – que realiza várias prisões ilícitas -, além de outras diversas outras questões, como o combate ao racismo no ambiente de trabalho, políticas de inserção no mercado de trabalho com acesso à direitos e possibilidade de ascensão na carreira.
Porém, dois pilares entendo como fundamentais. O primeiro seria o fomento a uma educação antirracista em todos os níveis – do básico ao superior. É preciso combater o mito da democracia racial, que ao longo dos anos permanece em nossa sociedade, com uma desvalorização sobre pautar o racismo como uma questão, já que em muitos momentos questiona-se até mesmo se existe racismo. É importante combater esse senso comum que dificulta o debate da temática racial no Brasil, pois antes de conseguirmos discutir os impactos do racismo, acabamos constantemente tendo que evidenciar que ele existe, apesar de todos os dados que vemos diariamente. No mais, é preciso compreender que o racismo não está apenas em violências diretas (como xingamentos), mas também opera de diversas outras formas em nossa sociedade.
Um segundo pilar essencial ao meu ver é o combate ao genocídio negro, em que a principal vítima é o jovem negro. Essa é uma das formas de violência racial mais escancaradas da nossa sociedade. Deixando morrer nossos jovens, pouco a pouco acabamos com nosso futuro.
Sugestão de Luna para entender o racismo:
Livros:
Primavera para as rosas negras (2018) – Lélia Gonzalez
O Genocídio do Negro Brasileiro: processo de um racismo mascarado (1978) – Abdias Nascimento
Diário de Bitita – Maria Carolina de Jesus
Filmes:
Que Horas Ela Volta (2015), Anna Muylaert
O Som ao Redor (2013), Kleber Mendonça Filho
Guerras do Brasil.doc. (2018), T1E2 (episódio de série) As Guerras de Palmares