Na semana passada, compartilhamos em nossas redes sociais indicações de leitura para entender mais sobre feminismo e interseccionalidade. Como complemento, trazemos hoje uma breve contextualização do termo, assim como dados sobre as mulheres no Brasil
Embora outras autoras como Angela Davis já tivessem sinalizado sua preocupação em categorizar as diferenças entre mulheres brancas e negras, ricas e pobres, é impossível falar de interseccionalidade sem citar a professora e jurista Kimberlé Crenshaw, responsável por cunhar o termo, e fundadora do Centro de Interseccionalidade e Estudos de Política Social da Columbia Law School (CISPS).
Na prática, a forma como o machismo afetava diferentemente grupos específicos de mulheres já era discutido em círculos feministas e do movimento negro, inclusive, por autoras brasileiras, como Lélia Gonzales. Porém, foi só na década de 1980 que o conceito de Interseccionalidade foi oficialmente elaborado, para tratar de um problema específico: o processo trabalhista Degraffenreid vs General Motors, em que cinco mulheres negras processaram a GM com base em discriminação de raça e gênero.
Em uma entrevista (em inglês) para a jornalista Bim Adewunmi, Crenshaw explicou que “O desafio específico era que a lei antidiscriminação considera raça e gênero separadamente”. Ou seja, mulheres negras não podiam provar a discriminação de gênero porque nem todas as mulheres eram discriminadas, e elas não podiam provar a discriminação racial porque nem todas as pessoas negras eram discriminadas.
Para discutir problemas como esse, o conceito de interseccionalidade provoca algumas reflexões como a super inclusão e a subinclusão. A super inclusão diz respeito a uma situação ou condição imposta de forma específica ou desproporcional a um subgrupo de mulheres é, simplesmente, definido como um problema de mulheres, invisibilizando o grupo particularmente vulnerável. Por exemplo, o tráfico de mulheres, em que as maiores vítimas são mulheres pobres. Resumi-lo a um “problema de mulheres” impede que políticas públicas assertivas sejam tomadas para proteger o subgrupo particularmente suscetível a essa violação dos Direitos Humanos.
Já na subinclusão, um conjunto de mulheres subordinadas enfrenta um problema, em parte por serem mulheres, mas isso não é percebido como um problema de gênero, porque não faz parte da experiência das mulheres dos grupos dominantes. Por exemplo, a esterilização compulsória de mulheres marginalizadas, fato que não atinge mulheres ricas.
INTERSECCIONALIDADE NO BRASIL: MAIOR VULNERABILIDADE DE NEGRAS E POBRES, FALTA DE REPRESENTAÇÃO
No Brasil, alguns dados são bastante reveladores quanto às diferenças entre mulheres: primeiro, no aumento do número de feminicídios que aconteceu durante a pandemia do coronavírus, as vítimas têm raça: apenas em 2019, primeiro ano da pandemia, 66,6% foram mulheres negras.
Outro ponto em que a intersecção de gênero e raça fica evidente é no acesso à educação. Embora as mulheres sejam mais escolarizadas – em 2019, no Brasil, 29,7% delas tinham ensino superior completo, contra 21,5% dos homens (IBGE, 2021) – essa distribuição se dá de forma extremamente desigual: em 2019, a presença de mulheres negras e pardas no ensino superior foi quase 50% menor do que a de mulheres brancas, 22,3% contra 40,9%, respectivamente.
Na representação política, o Brasil é o país da América do Sul com a menor proporção de mulheres exercendo mandato parlamentar na Câmara dos Deputados, encontrando-se na 142ª posição de um ranking com dados de 190 países Em setembro de 2020, o percentual de parlamentares do gênero feminino era de apenas 14,8%, na maioria brancas. Embora mulheres pretas e pardas representassem, respectivamente, 9,2% e 46,2% das mulheres na população em 2019, alcançaram apenas 5,3% e 33,8% das cadeiras nas câmaras municipais obtidas nas eleições de 2020.
Malena Wilbert
Jornalista / 0006944/SC
Mestranda em Jornalismo e Sociedade pelo PPGJOR/UFSC