Em dezembro último, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que o IPCA-e (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e a Taxa Selic devem ser aplicados para correção monetária de débitos trabalhistas. A instituição também julgou inconstitucional o que diz a Lei 13.467/2017, que implementou a Reforma Trabalhista, com condenações trabalhistas corrigidas apenas pela TR (Taxa Referencial).
Vale ressaltar que até que outra lei seja aprovada devem ser aplicados o IPCA-e, na fase pré-judicial, ou seja, até a data do ajuizamento/protocolo da ação, e, a partir da citação ou pós ajuizamento, a taxa Selic – índices de correção monetária vigentes para as condenações cíveis em geral. Esta decisão foi tomada no julgamento conjunto das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 58 e 59 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5867 e 6021.
Para entender melhor a situação atual, que faz com que os trabalhadores tenham perdas em seus créditos, o MSP Notícias entrevistou a advogada Marione Vieira Amaral e o advogado Vítor Terra de Carvalho.
Acompanhe abaixo a entrevista.
1 – Como era antes a correção monetária de débitos trabalhistas?
Marione Vieira Amaral – A Constituição de 1988 garante que a dívida teria de ser corrigida com índice que correspondesse ao da inflação, para que os cidadãos não perdessem parte do seu direito de propriedade constituídos em créditos. O Índice que vinha sendo aplicado era a Taxa Referencial (TR) até que o TST, em 2015 e, posteriormente, o STF, entenderam que o mesmo não recompunha as perdas com a inflação dos créditos trabalhistas. Diante desse cenário, passou a ser aplicado o IPCA-E a título de correção. Em junho de 2020, o ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu suspender todos os processos no âmbito da Justiça do Trabalho relacionados à questão da correção monetária a ser aplicada aos débitos trabalhistas (TR x IPCA-e). Logo após, para esclarecer o alcance da liminar, nova decisão proferida ficando esclarecido que apenas a controvérsia sobre eventuais valores compreendidos no resultado da diferença entre a aplicação da TR e do IPCA-E (parcela controvertida) é que deveriam aguardar o pronunciamento final da Corte.
Em dezembro de 2020, o STF definiu que deveriam ser aplicados os índices híbridos (IPCA-e pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC), mas, devendo ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês.
2 – O que foi proposto na Reforma Trabalhista de 2017?
M.V.A. – Após promulgação da reforma trabalhista, restou expressamente previsto que os pagamentos dos créditos oriundos de condenações trabalhistas seriam corrigidos com base na TR, que não recompõe perdas dos valores em razão da inflação. Portanto, voltou a ser aplicado entendimento já tido como inconstitucional. O que foi proposto na Reforma Trabalhista não vale, é inconstitucional, o que também foi confirmado no julgamento recente.
3 – O que ocorreu? Não fica valendo só o IPCA-e como antes da Reforma?
M.V.A. – A divergência entre o que vinha sendo aplicado na Justiça do Trabalho, ou seja, o IPCA-e a título de correção, e juros de 1% ao mês a partir do ajuizamento da ação, e aquilo que previa a lei recém aprovada (Lei 13.467/2017), motivou Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) nº 58 e 59, bem como das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.867 e 6.021, junto ao STF, questionando qual o índice de correção a ser aplicável para a atualização dos créditos oriundos de ações trabalhistas. As referidas ações tiveram o julgamento de mérito pelo STF em dezembro de 2020.
4 – O que está valendo neste momento?
Vítor Terra de Carvalho – No recente julgado, o STF declarou por maioria que a aplicação da TR é inconstitucional, vez que não recompõe as perdas inflacionárias. Contudo, ao invés de manter a mesma linha das decisões anteriores, determinando a correção das dívidas pelo índice do IPCA-e, o STF escolheu um caminho misto, entendendo que deverá ser aplicado índice de correção do IPCA-e na fase pré-processual, entre a ocorrência do prejuízo e o ajuizamento da ação. E que, posteriormente ao ajuizamento, deverá ser aplicada a taxa básica de juros de nosso sistema financeiro, a Selic, sobre aqueles valores devidos à época do ajuizamento. Isto para todos os processos, com exceção daqueles onde houve decisão com trânsito em julgado a respeito do índice – aplicando o TR ou IPCA.
5 – Por que ficaram prejudicados os trabalhadores?
V.T.C – A taxa Selic não mede a inflação, e é determinada pelo Banco Central. Assim, os créditos trabalhistas não serão mais corrigidos por índice que corresponde à inflação, e consequentemente os trabalhadores além de já não terem recebido seus salários e demais direitos à época certa, receberão menos do que deveriam quando o processo judicial se findar.
Como exemplo, trazemos a diferença prática nos créditos quando corrigidos segundo a Selic em dezembro de 2020, e o que imporia o IPCA-e apurado no mesmo mês – valor dos últimos 12 meses, para ambas as taxas. Enquanto a Selic determina que a correção monetária do crédito do trabalhador seja de 2% ao ano, o IPCA-e, e consequentemente a inflação, fecharam em 4,52%. Em outras palavras, o trabalhador será remunerado com um índice 2,52% menor do que aquele da taxa de inflação, e isto só em 2020.
Conforme os anos forem passando, enquanto o direito pleiteado no processo não for pago, o trabalhador seguirá perdendo, com os índices atuais, 2,52% daquilo que deveria receber, já que o valor efetivo do dinheiro foi se perdendo.
6 – Quem ganha e quem é punido com essa decisão do STF?
V.T.C – Ganha o mau empregador, que terá de desembolsar menos do que teria de pagar ao empregado, caso o fizesse na época correta. Por outro lado, o STF pune ainda mais o trabalhador que não recebeu o devido pelo seu trabalho, já que sequer receberá valor equivalente ao que era devido no momento em que se consolidou a dívida. Com o tal entendimento, o STF também pune o bom empregador que arca ao tempo correto com os pagamentos trabalhistas devidos, já que este pagará “mais caro” e ainda concorrerá no mercado com quem pagou “mais barato”.