Texto: Luis Felipe Miguel
Professor de Ciência Política da UnB, coordenador do Demodê, grupo de pesquisa sobre democracia e desigualdade.
No jargão do Congresso, “jabuti” é o dispositivo legislativo que é infiltrado em projeto que trata de assunto diverso. Tem esse nome porque jabuti não sobe em árvore: se está ali, é porque alguém o colocou.
Em geral, o objetivo do jabuti é aprovar, sem que ninguém note, algo escandaloso. Mas o atual governo não costuma se preocupar em esconder suas barbaridades e inovou.
A PEC 186, apelidada de “emergencial”, é toda ela um colossal jabuti, montado à luz do dia, sem disfarces. Sob o pretexto de aprovar uma insuficiente extensão de um diminuído auxílio para garantir a subsistência dos mais pobres durante a pandemia, serve ao propósito de liquidar o serviço público no Brasil.
Uma chantagem, em suma.
E isso no momento em que a centralidade do serviço público para o Brasil é mais visível do que nunca. O serviço público, sempre é bom ressaltar, que, por estar protegido por cláusulas como a estabilidade, pode agir para reduzir os danos de um governo criminoso.
Em primeiro lugar, claro, os heroicos trabalhadores da saúde. Mas também os cientistas, os profissionais que cuidam da educação, da segurança, do planejamento e da logística etc. Sem o esforço continuado de todos eles, nossa situação seria muito mais catastrófica.
A PEC promete a eles quinze anos sem reajuste salarial e sem recomposição de quadros. É mais do que “desvalorização” do funcionário público. É um programa de extermínio.
Não é preciso ter uma bola de cristal para ver qual é o resultado disso.
Até porque os efeitos do cerco contra o serviço público já se fazem sentir. Um exemplo, que está nos sites de notícias de hoje: em plena pandemia, a cidade do Rio de Janeiro tem 400 leitos hospitalares federais fechados por falta de pessoal.
A luta contra a PEC não é só dos servidores públicos. É de todo o Brasil.