Foto de capa: Soninha Vill
Desde o dia 1 de janeiro de 2022, a Síndrome de Burnout está classificada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) como doença de trabalho, ou seja, uma síndrome que é desencadeada pelas atividades laborais. A partir desta data, todo trabalhador diagnosticado passa a ter direito ao afastamento por licença médica, estabilidade e, em casos graves, à aposentadoria por invalidez. O quadro clínico da síndrome de esgotamento profissional, segundo psicólogos e psiquiatras, apresenta como manifestação central uma exaustão que surge de modo aparentemente brusco, sob forma de uma crise e, muitas vezes, é confundida com outras doenças, como depressão, estresse e/ou pânico.
Para a advogada do Machado Silva & Palmisciano, Maiara Leher, especialista em direito trabalhista e de servidor público e previdenciário, a inclusão da síndrome no CID (Classificação Internacional de Doenças) da OMS, com o reconhecimento da sua natureza relacionada ao trabalho, possui significativa importância. “Os direitos trabalhistas e previdenciários deverão ser assegurados nestes casos, bem como na responsabilização dos empregadores, seja no aspecto preventivo, assegurando-se efetivamente um meio ambiente de trabalho seguro e saudável, seja na responsabilização em decorrência dos efeitos causados na saúde e na vida de seus trabalhadores”. Maiara ressalta ainda que o diagnóstico deve ser realizado pelo psicólogo ou psiquiatra e incluído aos autos por meio da prova pericial que vai determinar o resultado do processo.
A psicóloga clínica e do trabalho, Elisa Rita Ferreira, que também é perita judicial e assistente técnica para os casos envolvendo violência psicológica, esclarece que “o fenômeno central dessa vivência de esgotamento e exaustão vem acompanhado por uma reação emocional negativa de rejeição ao trabalho”. Segundo ela, a Síndrome de Burnout afeta o sentido, a relação com o trabalho. Assim, os professores passam a não suportar mais alunos e a própria vivência em sala de aula; os enfermeiros não toleram mais o contato com pacientes, que antes cuidavam com dedicação; e assistentes sociais sentem necessidade de afastar-se das pessoas que atendiam. “O que antes era o objeto de realização e satisfação passa a ser indiferente ou irritante”, afirma Elisa.
A doença aparece também em gerentes de vários níveis de administração e em outros executivos. “A pressão e controle se encontram também nas atividades do ramo financeiro, atingindo os bancários”, observa. A síndrome, alerta a psicóloga, não afeta apenas o sentido que o trabalho possuía, mas atinge o trabalhador nas dimensões emocional e cognitiva, alterando o desempenho cognitivo, como atenção, memória, ritmo de processamento de informações, bem como o equilíbrio emocional, permeado por explosões de raiva, sentimento de angústia, ansiedade extrema e sintomas depressivos.
A Burnout não se restringe apenas a essas atividades, mas qualquer outra que atenda a um perfil de alta demanda de trabalho e baixo controle do trabalhador(a) sobre as atividades que realiza. Para Elisa Ferreira, o modelo de gestão gerencialista presente no mundo do trabalho acaba por impor metas cada vez mais difíceis de atingir, adquirindo um caráter extenuante e podendo levar ao esgotamento profissional. Ela tem notado que o quadro se apresenta com mais frequência em homens e mulheres em idade produtiva, sendo mais preponderante em trabalhadoras entre 30 e 45 anos.
PANDEMIA FOI UM AGRAVANTE
A psicóloga observa também que com a pandemia os números de adoecimento psíquico aumentaram, uma vez que a carga de trabalho, somada à precariedade das condições de trabalho, aumento da jornada de trabalho e pressão por produtividade também cresceram nesse período. Elisa dá como exemplo uma paciente que trabalha 12 horas diárias em home-office e, ao mesmo tempo, precisa atender o filho de 2 anos. “Sua ansiedade extrema se dava por não ter com quem deixar o filho enquanto trabalhava, o que exigia, por vezes, que ela negligenciasse o filho, pois se parasse o trabalho não conseguiria entregar a meta que lhe era exigida hora a hora por whatsapp”.
Assim como psicólogos e psiquiatras, os advogados também vivenciam a demanda de trabalhadores com a síndrome para se afastar da labuta, principalmente com a pandemia. O meio jurídico já avalia os efeitos que a mudança da lei vai gerar no mercado de trabalho e também nas decisões da Justiça.
COMPROVAÇÃO DA DOENÇA
Advogadas do MSP alertam que o diagnóstico da doença, comprovando a degradação emocional do trabalhador e os fatores que provocam a síndrome, como metas excessivas, competitividade e também assédio moral, são imprescindíveis. “É necessário buscar elementos que comprovem a relação, o nexo de causalidade, ou seja, o vínculo fático que liga o efeito à causa, entre o trabalho e a doença”, explica a advogada do MSP. O laudo gerado deve observar a alteração no grupo de doença e a consequente alteração de código, do CID10-Z73 para o atual CID11, ou seja, problemas relacionados diretamente ao trabalho.
Maiara ressalta que para a produção da prova técnica ou para além dela, poderá ser produzida prova relacionada ao contexto do labor desempenhado, mediante a oitiva de testemunhas e a apresentação de documentos no processo. “Cada caso tem suas especificidades, mas poderá ser comprovado, por exemplo, que o trabalhador desempenhava jornadas excessivas, sem os intervalos para o descanso integralmente assegurados, sem o direito à desconexão, com cobranças e metas igualmente excessivas”.
A psicóloga Elisa Ferreira acrescenta que o diagnóstico da Síndrome de Burnout é clínico, onde se afere a sintomatologia presente e a relação com a atividade realizada pelo paciente. “Como se trata de uma doença originada no trabalho é muito importante identificar também os riscos psicossociais presentes na atividade do trabalhador e responsável por seu sofrimento/adoecimento”.