Um dos principais desafios é enfrentar a cultura machista enraizada na sociedade
Mais um ano sem ter o que comemorar no mês da mulher. Dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), mostram que só nos dois primeiros meses de pandemia houve aumento de mais de 50% no número de denúncias de violência doméstica. Infelizmente, essa realidade se aplica a todos os estados. O Acre, por exemplo, lidera o aumento no número de feminicídios, com um crescimento de um para quatro. Já no Maranhão os números mostram um crescimento de 166,7%, passando de seis para 16 vítimas. (veja o crescimento nos outros estados no box) .
O Brasil ainda ocupa o quinto lugar no ranking dos 83 países que mais matam mulheres. Além disso, durante a pandemia do coronavírus, foi registrado um aumento de 22,2% de casos de feminicídio entre março e abril de 2020, o que representa 143 mulheres sendo mortas por serem mulheres nos 12 estados durante esse período. Os dados são do Instituto Brasileiro de Segurança Pública, que realizou a pesquisa “Violência Doméstica Durante a Pandemia de Covid-19”. Fazendo um mapeamento em redes sociais, o estudo também identificou um crescimento de 431% nos relatos a respeito de brigas de casal por vizinhos entre fevereiro e abril de 2020.
Embora os números de feminicídios tenham aumentado, contraditoriamente, as denúncias em canais oficiais diminuíram. A hipótese sustentada pela pesquisa é que por conta do isolamento, as mulheres vítimas de violência não podem sair de casa para realizar a denúncia ou não têm coragem de fazê-la, pois sem renda ou com renda diminuída, terão que voltar para o mesmo lar do agressor.
Para a advogada Lara Machado Luedemann, que exerce a profissão no Rio de Janeiro, além das brechas e das deficiências legais, os principais desafios para proteger a vida das mulheres são a cultura machista e as condições socioeconômicas dessa população. “O patriarcado alcança tanto os magistrados no momento de julgar casos de feminicídio e assédios contra a mulher, quanto a mentalidade dos civis que praticam e legitimam atos contra à vida de mulheres”, comenta Lara. Ela também evidencia que a falta de recursos deixa as mulheres pobres ainda mais suscetíveis “O capitalismo, por sua vez, possibilita e agrava a vulnerabilidade socioeconômica de diversas mulheres periféricas”, complementa.
A advogada ressalta ainda a necessidade de educar e conscientizar a população, especificamente as mulheres, sobre seus direitos e deveres, além de cobrar do Poder Judiciário a aplicação justa das leis existentes. Ela cita como exemplo a Lei Maria da Penha, que tem alto índice de absolvição dos réus.
“Infelizmente, a criação de leis que garantam a segurança e o direito contra à violência de gênero, como vêm ocorrendo nas últimas duas décadas, não são suficientes para combater a violência sofrida por mulheres”, explica Lara, exemplificando que apenas 1% dos agressores são punidos, conforme levantamento feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “A impunidade e a injustiça ocorridas pelos tribunais dos diversos fóruns brasileiros são maiores do que a quantidade de aparatos legais criados para fortalecer o combate à violência de gênero”.
Na legislação brasileira os direitos das mulheres são reconhecidos muito recentemente: apenas em 2002 a falta de virgindade deixou de ser motivo para anulação do casamento. Até 2005, o termo “mulher honesta” – expressão utilizada para servir de parâmetro comparativo e desqualificar as que não correspondem aos estereótipos designados ao gênero feminino – ainda fazia parte da Constituição Federal. A Lei Maria da Penha, que garante punições mais severas para a violência doméstica, é de 2006. Apenas agora, em 2021, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, fixou entendimento que veta o uso da tese da legítima defesa da honra, utilizada nos tribunais para absolver réus em casos de feminicídio.
Fiscalização nos processos
Tão importante quanto a criação destas leis, é de extrema urgência a aplicação justa e eficiente destes mecanismos. Lara Luedemann conclui que é necessária a fiscalização sobre esses processos, garantindo assim que os agressores sejam responsabilizados. “O Estado é o principal responsável pela segurança e manutenção da vida digna das mulheres brasileiras”, alerta. Não é mais admissível, segundo Lara, que mulheres sejam mortas e, mesmo com a robustez das provas processuais, seus assassinos sejam absolvidos e reintegrados à sociedade sem qualquer punição.